quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Sr. Valdéz

Uma página em branco é um grande desafio – para qualquer um. Aliás, a civilizacao humana perde incomensuráveis relatos de belíssimas existências pelo fato do traquejo com as palavras estar tao apartado de certas pessoas. Me assusta saber o quanto a gente – a humanidade, em geral – perde, pelo fato da capacidade de se expor com as palavras, pra nao falar nos outros infindáveis meios de expressao ser algo tao intrinsicamente complicado. Grosso modo, é uma faculdade restrita a poucos.

O fato é que a civilizacao ocidental privilegia em larga medida alguns modos de expressao, em detrimento aos demais. As pessoas pagam para para entrar em museus, em exposicoes, assistir filmes no cinema, por bons livros e tudo o mais. A arte na verdade, pode ser entendida, via de regra, enquanto um eterno debrucar-se sobre a existencia e seus amplos horizontes. O fato é que, por esse padrao etnocentrico-burgues de gozo com a arte, as pessoas acabam se esquecendo que também podem alumbrar-se sobre a vida na simplicidade do gesto. No porte, na postura, em uma conversa com qualquer um em um lugar qualquer.

Ontem um senhor peruano puxou papo comigo no onibus. Ah, que belíssima existencia dessa figura. Que belo livro suas memorias nao lhe (nos) renderiam. Um espírito genuinamente bondoso e sincero. Mesmo marcado profundamente por uma história dentro de uma sociedade intrinsicamente conservadora e tradicional, esse espírito – jovem, há de se dizer - me pareceu destoar de todo o entorno questionando com muita lucidez alguns dos valores mais arraigados dessa sociedade que vive e morre às saias da cordilheira. Suas maos eram calejadas pela minería ao longo de uma vida inteira. Carregava inelutavelmente as marcas desse sol seco que insiste em torrar tudo por aqui, as faces, o solo, a vida, em termos gerais. Seus bracos tinham a marca desse ar seco que paira a 2.400m do mar ressecando a pele e as vistas que, ao fim e ao cabo de 40 anos de labor fazem voce lembrar de “O Germinal”, ou de sua antítese latinoamericana. Tudo isso dariam elementos fantásticos para uma história insipiradora, bela pela sua plenitude e simplicidade.

Saí do ônibus comovido. De súbito me ocorreu a idéia que provavelmente nunca mais na vida iria cruzar com esse senhor, e que, levando consigo as marcas de sua vida formidável, e simples, também levou um pouco de mim. Comigo resta essa eterna angústia, essa antecipacao da perda. Essa vazia certeza de que a humanidade se quita a todo momento, egoisticamente, de tomar conhecimento da vida das pessoas. Dessas vidas formidáveis que, ao passo que nao sao cristalizadas no tempo por qualquer obra de arte, sao rememoradas a todo momento por quem permite sentir-se tocado com tamanha simplicidade.

Tem mesmo tanta vida lá fora.

Nenhum comentário:

Postar um comentário