
É incrível perceber o quanto estamos irremediavelmente ligados àquilo que nos é comum, nos é normal, o prosaico do dia-dia. Por exemplo eu aqui no Peru: nunca consegui me desvencilhar totalmente do horário brasileiro. Saio da piscina perto do meio-dia e sempre quando no relógio (eu disse S E M P R E), com uma disciplina germânica, me ocorre quase que de instantâneo o mesmo pensamento: no Brasil são 15 hrs. O Dani deve estar no MP essa hora, faltando duas ou três horas pra ir embora. A mãe deve estar no consultório, com um paciente, talvez, ou conversando ao telefone com algum convenio. O pai, bem, pode estar em diversos lugares. O pequeno Frank repousa sereno sobre uma almofada, já angustiado contando as horas pra que alguém chegue e o leve pra tomar ar fresco – que grande violência que engendramos ao domesticar esses animais! Mas o que passa é isso, meu cérebro simplesmente se recusa a pensar e se acostumar com outro horário. E assim, me parece ser. E assim, com esse insistente não-desvencilhamento parece que dá forma à uma seiva rica que drena um solo fértil para a saudade.
Hoje, pela primeira vez desde minha chegada me senti violentado pela ausência dos entes queridos. A privação do convívio me parece uma forma bem sutil e derradeira de violência. O simples fato de não saber o que esta passando com aqueles que passaram a vida em torno de você é uma idéia que me traz um desconcerto, algo bem desconfortável. Freud uma vez disse que existem três coisas das quais fogem totalmente do nosso controle, o envelhecimento – e em conseqüência a morte -, os fenômenos da natureza e as relações com os outros. E essa relação com os outros, ao passo que pode ser uma prisão, como um casamento mal resolvido, também pode libertar, alçar vôos altos, como a amizade de um irmão, que em larga medida alivia as angustias, esclarece as duvidas mais existenciais. Essa saudade surda, a saudade do convívio, do face to face, daquele mesmo bom dia que muitas vezes me foi motivo de raiva por soar quase como um sussurro. É disso, exatamente, do que sinto mais saudade. Do que nem sempre é valorizado como deveria. Qualquer dor pode ser dominada, por qualquer um, exceto por aquele que a sentes. Hoje eu me sinto desvairadamente a mercê dessa saudade, se ela acordar amanha cedo mais forte, eu simplesmente não tenho o que fazer. Só me restaaguardar. Rubem Alves diz que é a alma sinalizando pra onde quer voltar. Pois eu tenho saudade de tudo, até daquilo que ainda nem sequer conheço. E isso, irremediavelmente, me lembra o meu irmão, esse cidadão unívoco que já é velho conhecido de todas as minhas atuais descobertas que me deslumbram. Por mais que eu flerte com a aventura, com o desconhecido, com a liberdade da alma em deixar-se surpreender com o novo e arriscar-se permanentemente com o desconhecido eu tenho fortes tradições de enraizamento.
E digo mais: a insistência nesse discurso de pseudo-liberdade por toda vida, pra mim, é carregado de um egoísmo dissimulado. Egoísmo com os que ficam, com os que se empenharam na criação, com todo o entorno. Nada mais triste do que perceber nas feições dos pais ou dos próximos as marcas do tempo surpreendentemente novas. Voltar para casa depois de alguns anos de ausência pode ser mais duro do que a própria saída. Seu pai agora se parece mais com seu avo do que outrora. As rugas começaram a surgir, os cabelos a esbranquicarem e você simplesmente se dá conta disso, fortemente, porque não esteve ali para acompanhar esse processo, que não deixa de ser sublime. Sua mãe reclama mais de dores e indisposições e você se preocupa mais do que deveria, porque, pela mesma razão, não acompanhou o processo de evolução da hipocondria. E tudo no mais parece maior do que realmente é. O pior é a vagueza nos assuntos. O não-assunto. Porque afinal, tudo é novidade, e você está sempre sendo sendo colocado a par de tudo que ainda não sabe, e não consegue ter uma opinião formada acerca disso tudo porque normalmente está escutando pela primeira vez os causos.
Pois bem, essas são minhas considerações a respeito da saudade. Essa presença da ausência - ausência do tempo e dos entes, e de seja lá quem for. Sentimento urgente, pungente, e irreversível. E bonito. Muito, por sinal. Uma das coisas boas de se viajar é sentir a saudade doer e não poder fazer nada.
Como sempre não se pode fazer muito pelas dores.
Cierto, en ocasiones es dificil ver como realmente hay cosas importantes que sin darnos cuenta las dejamos ahi, y es solamnete cuando sentimos la necesidad de algo o alguien muy intimo para nosotros, alguien que pueda conocernos al punto de saber que nos pasa, en incluso la ciscunstancia mas sutil, son esas personas las unicas a las que necesitaremos, a las que recurriremos. Y como tu dices, muchas veces al volver el rostro veremos q ya no estan ahi o simplemente ellas tambien sintieron nuestra auscencia y algo cambio.
ResponderExcluirY es dificil, realmente dificil
Eaí, Fernando! Também estou fazendo em intercâmbio pela AIESEC, na Polônia! Sou de Porto Alegre, fui VP Finanças ano passado!
ResponderExcluirCara, lendo este teu post me identifiquei muito, sinto as mesmas coisas! Ao mesmo tempo que um lado de mim me empurra pro mundo, pra novas experiências, outro me faz sentir um vazio enorme por não estar acompanhando tudo o que se passa com as pessoas que me são caras. Intercâmbio é também contradição, e como! Acho que é isso que o torna tão rico e belo né?
Abraço!