segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Casa vazia

Tua veste, hoje
Já não veste.
Os nós da tua mobília
Desenlaçam.
já não perpetuam
Tertúlia nenhuma.

A vida por aqui ja foi mais leve?
Não se sabe.
Teus móveis emudeceram
A casa afundou;
tuas janelas caíram trágicas.
Anoiteceram.

Teu existir passou voando
Na madeira infinita
Ele repousa, adormecido.
Circular e ombro a ombro
Traçou vertigens, informes
Nos altos do teu tempo pouco, já ausente
In-formas, ainda e sempre
Estes versos nos quais te espero;
nos quais melhor te conservo.

Teus olhos profundos
Hoje não alcançam
O olhar alcançado
De quem quis se retirar
Mudo e resignado
do teu insuportável não-estar.
Ainda és; mas já não estás.
Os verbos trapaceiam.

Otto me dizia:
Ficarás, fernando, muito alcançado
Na hora da minha morte.
Você periga até
Ficar mancando.

Manco e semi-cego
Ainda trapaço
a morte, a noite.
A solidão de um velho cego
no convés escuro, por sobre
um mar que é linguagem antiga
Indecifrável.

Tropeçando, ainda caminho
Venço ruas, vejo casas:
felicidades amenas pelas janelas curtidas.
Bendigo-as com as cores do perdão
De um crime que não cometestes.

Nos livros, nas águas, nas brisas.
Teu sorriso largo surge de repente:
uma lembrança a mais para o tempo.
No lugar das folhas secas, a semente:
Estamos no verão.
Renascemos.
Já que em maio, tantas vezes, morremos.

Volto à casa veranista
e escuto. Teus móveis de mogno preteridos
me sussuram, como num chiste:
[em algum lugar
Tu ainda existe.]

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