Este blog é um órfão. Uma espécie de “enfant trouvé”.
Seu pai esteve ausente e agora, de repente, parece querer se redimir.
Poder-se-ia elogiar o ato enxergando nele um truísmo relativo ao filho esquecido. Um cultivo à estetização do prosaico da vida, um elogio ao ínfimo, tarefa nobre e engrandecedora – diria algum saudosista.
Os mais críticos ponderariam que o retorno seria obra de um ajuste de contas com a consciência culposa de quem esqueceu dos seus, pura e simplesmente, e agora pretende se redimir enchendo de mimos e cuidados aqueles que amargaram anos no esquecimento e no marasmo cruel da indiferença.
Todas essas teses estariam equivocadas. Não seriam mais do que burburinhos de uma vizinhança de comadres, sempre muito pródigas no abandono imaginativo do seu cotejo com a vida alheia. E aliás, quem poderia objetar algo às comadres? Não raras vezes é essa toda a necessidade da alma humana: conjecturar.
Existe uma antiga anátema que desde há muito tempo chama atenção para a empreitada fracassada de qualquer racionalidade diagnóstica: “Quando diagnostica-se um Outro, é sempre a nós mesmos que estamos diagnosticando”. Fulano está com peso na consciência, por isso volta. Ciclano é mal-amado, não aguentou a solidão. Beltrano… Daí porque a fofoca foi desde sempre um passatempo universal: é preciso imprimir nos outros a desconfiança da nossa própria verdade. Assim, ela própria pode permanecer tranquila e oculta sob o véu encobridor cujo posicionamento estratégico nos empenhamos com todo esmero em cultivar. As verdades, se existissem mesmo, certamente delas ninguém gostaria de saber nada a respeito.
O fato é que, depois de anos na indiferença, o que restou por aqui foram posts espaçados, sem nenhum rastro, ínfimo que seja, de um fio condutor entre um ou outro comentário. Longos anos de silêncio e quase nenhum leitor. Ou seria, efetivamente, nenhum leitor?
E isso é o que há de mais interessante em reativar um velho blog sem uso. É como pedir para ouvir uma vez mais o silêncio prolongado de um “fim de festa”. Daqueles narrados pelo poeta do pacífico no qual os risos e o barulho da la gente se recolhem, como que prostrados, e o que fica, soberana, é a pergunta das coisas submersas, que paira, unânime: “para aonde iremos, agora?”
Para onde iremos? A quem se escreve, efetivamente, quando não se escreve a ninguém? Que palavras são possíveis quando o endereçamento é… o vazio? Que diálogos são possíveis na sala dos passos que se perdem no momento que antecede o fim da festa?
E, sobretudo, que cordas são essas que, empilhando-se em um velho blog sem uso, nos amarram ao que já fomos um dia? Que sótão é esse que, empoeirado, guarda o invetário de memórias de um tempo que nos lembra de quem já fomos e de quem ainda seremos?
“Quero lhe implorar
Que sejas pacientes
Com tudo que não está resolvido no seu coração e tente amar.
As perguntas como quartos trancados e como livros escritos em línguas estrangeiras.
Não procure respostas que não podem ser dadas porque não seria capaz de vive-las.
E a questão é viver tudo. Viva as perguntas agora.
Talvez assim, gradualmente, você sem perceber, viverá a resposta num dia.
Distante.” (Rilke. Cartas a um jovem poeta.)
(Sérgio Fingermann. “Se noite fosse água”, 2014. Inspirado na “Mediaçao sobre o tietê, poema de Mário de Andrade)
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